Texto do Prof. Júlio Cesar Alves da Costa
O plástico é formado por uma complexa mistura de compostos, e tem como matéria-prima, o petróleo. É um material com inúmeras características e propriedades, uma delas é a possibilidade de ser moldado para qualquer forma, e continuar com sua resistência e aparência, muito útil para a humanidade desde a sua invenção. A condição de transformar-se e se adequar às exigências do ambiente não é somente encontrada nos sintéticos, mas também, nos naturais. Os seres humanos, por sua vez, possuem essa qualidade do plástico, a plasticidade humana, ou seja, a adaptabilidade. Nas redes sociais fica evidente a utilização do “potencial plástico” que cada internauta tem para se adaptar a um mundo extremamente digital. Assim como existem razões que justificam o consumo do plástico até hoje pela população, há outrossim, justificativas para as mudanças que os usuários das redes fazem para se estabelecerem em um cenário adverso, apelativo e exigente. A necessidade de criar, manter e intensificar as relações sociais no século XXI é o principal motivo.
Os jovens da geração Z, nascidos após o início do processo de globalização, na era do conhecimento e da tecnologia da informação, possuem grande facilidade para lidar com as ferramentas tecnológicas e meios digitais. Em suas etapas iniciais de vida encontram nas redes sociais a possibilidade de socialização, de interação, de experiências de integração com pessoas de qualquer parte do mundo, e de ser “popular”.
Mesmo antigamente, ter muitos amigos e ser referência eram requisitos básicos para alguém tornar-se popular, na era digital não é diferente. Atualmente, qualquer um que tenha uma quantidade expressiva de seguidores em suas redes sociais é sinônimo de popularidade. Isso significa aceitação, reconhecimento e uma adaptação à sociedade e ao ambiente em que vivemos. No filme “Ele é demais”, Netflix, 2021, uma refilmagem trocando o gênero dos personagens de Ela é demais, 1999, que por sua vez, era uma adaptação moderna da peça Pigmalião, 1913, e do filme My Fair Lady, 1964, a jovem Padgett Sawyer é uma influenciadora do Instagram, que finge morar em um condomínio rico para esconder suas reais condições de vida de seus seguidores e patrocinadores, filha de mãe divorciada que trabalha como enfermeira local, a jovem flagra a traição do seu namorado, um outro “influencer”, muito popular na escola e aspirante à artista de “hip hop”, o momento é transmitido ao vivo pela rede social, a cena não poderia ser mais constrangedora para Padgett e ela se vê humilhada. Como resultado da situação, Sawyer perde inúmeros seguidores e seus principais patrocinadores. Para se redimir, aceita o desafio de tornar o garoto menos popular da escola, um estudante de fotografia antissocial, em rei do baile. É possível perceber durante todo o filme que a personagem principal busca a aceitação, a criação, a manutenção e a intensificação de vínculos pelas redes sociais, ainda que superficialmente, e utilizando-se da plasticidade humana, adapta-se muito bem. A sequência de atitudes que vimos durante toda a trajetória da personagem principal do filme revela comportamentos que podem ser percebidos também na vida real de muitas pessoas que são estimuladas pelas suas redes sociais. Durante muito tempo o comportamento dos seres humanos e suas respostas a estímulos foram objetos de estudos do psicólogo “behaviorista” Burrus Frederick Skinner, considerado o psicólogo mais influente do século XX (Haggbloom et al., 2002), embora, a teoria comportamentalista de Skinner recebe duras críticas até hoje, tem contribuído de forma significativa para a tentativa de compreender a mente humana e os comportamentos dos indivíduos. Nesse sentido, a plasticidade ou a variabilidade comportamental pode ser notada quando alguém responde de diferentes formas em situações distintas. Oliver Sacks, neurologista norte-americano, estudou a plasticidade cerebral e publicou estudos e obras a respeito de suas conclusões sobre a capacidade do cérebro em se adaptar a novas condições, não só do ponto de vista fisiológico, mas também funcional. A espécie humana utiliza de forma eficiente sua capacidade de adaptabilidade, entretanto, é necessário refletir o que devemos ou não fazer para adaptar-se ao meio. Até que ponto vale a pena mudar para atender aos requisitos impostos por paradigmas, com o propósito de ser aceito por alguém, por um grupo, ou pela sociedade?
Assim como o plástico tem seus benefícios e vantagens, mas, seu uso em excesso e seu descarte incorreto e indevido tem poluído o meio ambiente, e por conseguinte, comprometido a qualidade de vida dos habitantes do planeta, a busca exacerbada por adequação à sociedade e ao mundo digital vigente em nosso século também pode trazer efeitos colaterais negativos e danosos à saúde e ao bem-estar humano, tais como: a frustração, a autoculpabilização, autorrecriminação, baixo autoestima, depressão, entre outros.
Portanto, é máster necessário refletirmos sobre o nosso comportamento nas redes sociais e nossas atitudes para se ajustar a um mundo cada vez mais digital, com o objetivo de atender expectativas, na maioria das vezes, externas, onde o potencial da plasticidade humana é utilizado de maneira exagerada e sem refletirmos a respeito das consequências que chegam em nossas vidas em instantes, ou em um médio, ou longo prazo. Ser popular, influente, conhecido e reconhecido por um número expressivo de seguidores requer esforços que vão além de criar, manter e intensificar relações interpessoais na rede. É importante questionar-se quanto à qualidade de vida que todos nós temos quando nos entregamos intensamente à manutenção das nossas redes sociais, e o quanto estamos deixamos de viver experiências menos superficiais e mais reais em razão da adaptação ao mundo moderno. Afinal, a variabilidade humana é uma característica inerente, que sempre utilizaremos, seja no mundo real, ou no virtual, porém, o esforço, a intensidade e o equilíbrio da aplicação da plasticidade em nosso comportamento pode fazer grande diferença em nosso bem-estar.
Fantástico , amei sua publicação , prof. Júlio.
ResponderExcluirMuito bom, professor!
ResponderExcluirAlgumas informações me deixaram um pouco confuso inicialmente, mas entendi melhor após continuar lendo. Ótimo texto professor!
ResponderExcluirNo começo não deu pra entender muito,mas no decorrer do texto consegui compreender um pouco.Muito interessante o senhor citar o filme "Ele é demais"no seu texto.
ResponderExcluirAmei o texto e a reflexão que ele traz. Ficou ótimo! <3
ResponderExcluir👏👏👏👏👏É uma excelente e necessária reflexão
ResponderExcluir@Júlio!!!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTexto muito interessante. Semelhante ao relatado pelo autor, também acredito que a plasticidade para se adaptar as necessidades que a sociedade quer que vc seja tem um preço. Muitas vezes, abrir mão de sua personalidade para se adaptar aos moldes sociais é uma forma da sociedade uniformizar o "ser" e evitar o diferente.
ResponderExcluirPerfeito, Júlio. O retrato fiel dos "tempos líquidos, que Bauman tanto retratou.
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